Como evitar a culpa da empresa em vazamentos de dados
Descubra como proteger sua empresa de vazamentos de dados e evitar multas, adotando governança, compliance e a norma ISO 27001. Saiba como agora!
PRIVACIDADE DE DADOS
TMC
3/25/20258 min read


Nos últimos anos, minha atuação como advogado especializado em compliance digital e proteção de dados pessoais tem me colocado diante de uma dura constatação: boa parte das empresas brasileiras ainda não compreende, de forma estratégica, o que significa evitar a culpa em caso de vazamento de dados. Em um país que registrou mais de 84 milhões de contas violadas apenas em 2024, segundo relatório recente da Surfshark, esperar que a segurança da informação seja resolvida apenas com antivírus e boas intenções é um erro de proporções catastróficas.
Este artigo é, portanto, um guia robusto, escrito com base na prática jurídica, nos requisitos legais da LGPD, nos padrões internacionais de segurança da informação (especialmente a ISO/IEC 27001) e nos movimentos mais atuais do judiciário brasileiro.
Aqui, vamos entender não apenas como evitar a responsabilização judicial, mas como construir um verdadeiro sistema de governança que dê à sua empresa vantagem competitiva e resiliência jurídica.
A Falsa Segurança da "Ausência de Culpa"
Muitos gestores acreditam que a empresa só será responsabilizada em caso de “culpa direta” em um incidente de segurança. É um raciocínio simplista, baseado em uma leitura limitada da LGPD. A verdade é que o ônus da prova é da empresa. Não basta alegar que o vazamento foi externo ou causado por terceiros — é preciso provar que foram adotadas todas as medidas técnicas e organizacionais aptas a proteger os dados pessoais sob sua guarda.
A jurisprudência recente tem sinalizado que a ausência de culpa é uma construção que exige prova documental, técnica e processual. Se a empresa não consegue demonstrar de forma clara que havia processos bem estruturados, políticas internas ativas, treinamentos regulares e monitoramento constante, a tendência é que o judiciário e a ANPD considerem a omissão como culpa.
Governança de Dados: A Espinha Dorsal da Conformidade
1. Mapeamento de Dados (Data Mapping) e ROPA
A jornada de governança começa com visibilidade total do ciclo de vida dos dados. As empresas precisam:
Identificar quais dados são coletados, onde estão armazenados, com quem são compartilhados e por quanto tempo são mantidos;
Atualizar e manter um Registro de Operações de Tratamento de Dados Pessoais (ROPA) conforme o art. 37 da LGPD;
Classificar dados por grau de sensibilidade e aplicar controles adequados a cada categoria.
Esse mapeamento serve não só para o compliance, mas também como ferramenta probatória: uma empresa que conhece seus dados sabe se houve ou não falha em seus controles.
2. Políticas Internas e Códigos de Conduta
Governança de dados não existe sem normatização interna. Isso exige documentos estratégicos:
Política de Segurança da Informação: alinhada à ISO 27001, com definição de escopo, responsabilidades, critérios de acesso, criptografia, e planos de backup.
Política de Privacidade: clara, acessível e compatível com a realidade operacional da empresa.
Política de Resposta a Incidentes: com definição de comitê de crise, fluxos de comunicação, acionamento de autoridades (ANPD e titulares), e plano de mitigação de danos.
Código de Conduta com cláusulas específicas sobre proteção de dados: aplicável a colaboradores, terceiros e parceiros.
Essas políticas precisam estar implementadas de fato — não basta tê-las “na gaveta”.
Compliance e Accountability: Muito Além da Burocracia
Um erro recorrente que observo em diversas organizações — desde startups até grandes grupos empresariais — é a tratativa superficial da LGPD, como se fosse um problema pontual a ser resolvido por advogados ou por uma consultoria terceirizada em tecnologia. Esse comportamento demonstra uma visão reduzida, burocrática e perigosa da legislação de proteção de dados.
A LGPD não é um projeto, é uma transformação de cultura corporativa. E no cerne dessa transformação está o conceito de accountability, previsto expressamente no artigo 6º, inciso X da LGPD, que estabelece como um dos princípios da lei a responsabilização e prestação de contas.
A implementação real desse princípio exige que a empresa não apenas cumpra a lei, mas consiga demonstrar de forma documentada, contínua e transparente que adotou medidas preventivas, educativas, técnicas e organizacionais para proteger os dados pessoais.
3. Treinamento Continuado e Cultura Organizacional
O verdadeiro compliance em proteção de dados não se limita a criar políticas e assinar termos de ciência. Ele se constrói, dia após dia, na mentalidade de cada colaborador da empresa — do estagiário ao C-Level.
a) Treinamentos regulares, personalizados e obrigatórios
É necessário ir além do modelo “e-learning genérico”. Os treinamentos devem ser:
Personalizados por área (ex: marketing, RH, TI, financeiro), abordando os dados específicos que cada setor manipula;
Baseados em casos reais e simulações de incidentes, como ataques de phishing ou vazamento de dados via e-mail corporativo;
Avaliados periodicamente, com controle de presença, desempenho e reavaliação anual.
Treinamentos formais são exigidos como elemento de prova em fiscalizações da ANPD e, em juízo, podem ser a linha divisória entre culpa e diligência comprovada.
b) Campanhas de conscientização: cultura contínua de segurança
Treinar uma vez por ano não basta. É preciso manter o tema vivo no cotidiano corporativo, por meio de ações como:
Boletins mensais com dicas de segurança;
Alertas internos sobre ataques de engenharia social em circulação;
Sinalização nos sistemas sobre boas práticas (ex: lembrar de verificar links antes de clicar);
Gamificação e premiações internas sobre proteção de dados (ex: “colaborador do mês em segurança”).
Cultura se constrói pela repetição. E cultura de segurança se constrói pela repetição estratégica e direcionada.
c) Auditorias internas e plano de ação
Outro pilar fundamental da accountability é a auditoria contínua de processos e controles. Não basta implantar, é necessário medir a eficácia.
Avaliações internas devem ser feitas por comitês multidisciplinares ou empresas externas independentes;
Devem identificar gaps, vulnerabilidades e riscos operacionais;
O resultado da auditoria deve gerar planos de ação claros, com prazos, responsáveis e indicadores de correção.
Sem essa correção contínua, os documentos viram peças decorativas. Com ela, viram prova de que a empresa busca a melhoria contínua — elemento-chave do compliance moderno.
d) Reflexo jurídico: o Judiciário e a ausência de treinamento
Em sentenças recentes que tive acesso — inclusive em casos em que atuei — juízes já reconhecem que a ausência de capacitação interna configura omissão contributiva em incidentes de segurança. Isso significa que a empresa, mesmo não tendo causado diretamente o vazamento, pode ser responsabilizada por não preparar seus colaboradores adequadamente.
A justiça começa a compreender que "não saber" não é desculpa válida quando se trata de dados pessoais. E isso coloca o treinamento como peça central da defesa jurídica e da construção de boa-fé empresarial.
4. ISO/IEC 27001: Certificação que Vai Muito Além do Marketing
Muitas empresas tratam a ISO/IEC 27001 como um diferencial de marketing — um selo bonito para exibir no rodapé do site. Mas, na prática, essa é a norma que estrutura toda a gestão da segurança da informação de forma sistemática, mensurável e auditável.
a) O que é a ISO 27001 e por que ela importa?
A ISO/IEC 27001 é uma norma internacional que define os requisitos para a criação, implementação, manutenção e melhoria contínua de um Sistema de Gestão da Segurança da Informação (SGSI). Sua adoção demonstra que a empresa:
Avalia continuamente seus riscos de segurança;
Possui políticas claras para todos os tipos de incidentes e acessos;
Controla quem tem acesso a dados sensíveis e por quê;
Monitora, audita e melhora seus processos de forma regular.
Ou seja: ela cria uma blindagem estruturada para os dados da empresa e dos seus clientes.
b) O modelo CIA: Confidencialidade, Integridade e Disponibilidade
O SGSI da ISO 27001 é orientado por um tripé fundamental:
Confidencialidade: garantir que apenas pessoas autorizadas tenham acesso aos dados.
Integridade: assegurar que os dados não sejam alterados indevidamente.
Disponibilidade: garantir que os dados estejam acessíveis quando necessário.
Esse modelo protege contra riscos técnicos (ex: ransomware), humanos (erros operacionais) e estruturais (falhas sistêmicas), tornando-se essencial para responder aos requisitos do art. 46 da LGPD.
c) Annex A: Controles objetivos
O Anexo A da norma contém 114 controles divididos em 14 domínios, incluindo:
Políticas de segurança;
Segurança em recursos humanos;
Controle de acesso;
Criptografia;
Segurança física e ambiental;
Segurança operacional;
Segurança de comunicações;
Relacionamento com fornecedores;
Gestão de incidentes;
Conformidade regulatória.
A empresa que aplica esses controles demonstra diligência técnica e organizacional — exatamente como exige a LGPD.
d) ISO 27001 como prova jurídica
Já utilizei a ISO 27001 como prova de diligência em processos administrativos e judiciais. E os resultados são claros:
A autoridade de proteção de dados enxerga com seriedade empresas certificadas, considerando-as comprometidas com a segurança;
O judiciário entende que a empresa seguiu padrões internacionalmente reconhecidos, afastando a alegação de negligência.
Em termos de defesa, a ISO 27001 é mais do que um argumento — é uma blindagem jurídica real.
O Plano de Resposta a Incidentes: Diferenciador em Situações Críticas
Imagine o seguinte cenário: ocorre um vazamento. O que sua empresa faz nas primeiras 6 horas?
Empresas bem estruturadas têm um Plano de Resposta a Incidentes de Segurança da Informação (PRISI) com:
Identificação rápida da origem do incidente;
Análise de impacto jurídico e operacional;
Ativação de equipe multidisciplinar (jurídico, TI, comunicação e RH);
Comunicação à ANPD em até 48h, conforme as orientações do Guia de Incidentes;
Notificação transparente aos titulares, demonstrando responsabilidade e mitigação.
Não agir com transparência nesse momento pode ser interpretado como omissão dolosa. A resposta rápida, bem documentada e com base em plano prévio, é o que separa danos controláveis de desastres institucionais.
Casos Reais: Quando a Prevenção Evita a Condenação
Recentemente, atuei em um caso onde o cliente foi notificado pela ANPD após o vazamento de dados de um fornecedor terceirizado. Nossa defesa se baseou em:
Contratos com cláusulas de proteção de dados e SLA específicos;
Política de governança que incluía due diligence de terceiros;
Logs de monitoramento de acesso e alertas de anomalia;
Prova de que a empresa agiu em menos de 24h para conter o vazamento e notificar os titulares.
Resultado: não houve sanção nem condenação. A ANPD entendeu que havia medidas preventivas, monitoramento ativo e boa-fé. Ou seja: a ausência de culpa foi construída.
Conclusão: Ausência de Culpa Não É Sorte, É Estratégia
Empresas que não querem ser responsabilizadas por vazamentos precisam fazer a lição de casa com excelência. Isso significa:
✅ Investir em tecnologia e cultura;
✅ Estruturar políticas reais e não apenas formais;
✅ Documentar cada ação de compliance;
✅ Atuar com transparência e prontidão em incidentes;
✅ Alinhar suas práticas à LGPD e às normas internacionais.
Não se trata apenas de evitar processos — trata-se de proteger reputação, clientes, ativos e a continuidade do negócio.
A ausência de culpa, no século XXI, é uma conquista jurídica que se constrói com inteligência técnica, estratégia organizacional e governança séria.
Você já passou por um incidente de vazamento de dados ou tem dúvidas sobre como proteger sua empresa? Compartilhe sua experiência enviando um e-mail para contato@gestaolegal.com. Sua história pode ajudar outras empresas a evitarem prejuízos — e, em muitos casos, até salvar reputações. Vamos construir essa cultura de proteção juntos.
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