Demissão de Gestante: Riscos Legais ao Aceitar Pedido

Entenda os riscos jurídicos para empresas ao aceitar pedido de demissão feito por gestantes. Saiba como prevenir passivos trabalhistas com segurança.

TRABALHISTA EMPRESARIAL

TMC

3/26/20255 min read

Certa vez, durante uma assessoria para uma empresa de médio porte do setor educacional, uma gestora de RH me chamou, aflita. Uma professora havia entregue sua carta de demissão com uma justificativa emocional: estava grávida, exausta e precisava de um tempo para reorganizar a vida. A equipe de RH já tinha aceitado a carta, protocolado a saída e enviado os dados para o eSocial.

Quarenta dias depois, a empresa foi notificada de uma reclamação trabalhista. A ex-colaboradora alegava que havia pedido demissão sob pressão emocional, sem conhecimento pleno de seus direitos, e que deveria ter sido encaminhada para estabilidade. O caso, que poderia ter sido resolvido com acolhimento e orientação, tornou-se um litígio com risco real de indenização.

Estabilidade gestacional: proteção absoluta?

A Constituição Federal e a CLT garantem à gestante estabilidade provisória no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Essa regra se aplica mesmo em contratos por prazo determinado e em situações onde a empregada desconhecia a gravidez no momento da rescisão.

Essa estabilidade é um dos maiores pilares da proteção à maternidade no Brasil. No entanto, surgem dúvidas quando é a própria gestante quem toma a iniciativa de pedir demissão. Pode-se abrir mão da estabilidade? A empresa pode simplesmente aceitar? A resposta, na prática, não é tão simples.

Pedido de demissão de gestante: é válido?

Do ponto de vista formal, a empregada tem o direito de pedir demissão a qualquer momento. Contudo, a jurisprudência tem entendido que, nesses casos, a empresa deve adotar cautela redobrada, pois existe a presunção de que a empregada pode não ter plena ciência dos seus direitos, especialmente se a motivação estiver ligada à gravidez.

Em diversas decisões, o Judiciário anulou pedidos de demissão feitos por gestantes sob o argumento de que não houve homologação com assistência sindical, nem orientação adequada sobre a estabilidade. Algumas cortes já decidiram que a empresa tem o dever de zelar pela integridade da decisão, sob pena de assumir o risco de um pedido viciado.

Os principais riscos ao aceitar o pedido sem preparo

Aceitar o pedido de demissão de uma gestante sem nenhuma formalidade ou orientação pode expor a empresa a:

  • Ações trabalhistas com pedido de reintegração ou indenização substitutiva;

  • Pagamento de salários retroativos e verbas rescisórias corrigidas;

  • Indenização por danos morais, alegando abandono em momento de vulnerabilidade;

  • Questionamento sobre assédio moral ou conduta discriminatória, mesmo que não intencional.

E o maior risco não é apenas financeiro: é reputacional. Uma empresa que falha em proteger uma gestante — ainda que sem dolo — pode enfrentar desgaste institucional perante o público, clientes e investidores.

Como a empresa deve agir para mitigar riscos

A melhor forma de agir diante do pedido de demissão de uma colaboradora grávida é estruturar uma conduta padrão de acolhimento, orientação e formalização assistida.

Veja algumas medidas eficazes:

  1. Jamais aceite o pedido imediatamente. Abra espaço para conversa, escuta ativa e ofereça suporte psicológico, se possível. Muitas decisões são emocionais e podem ser revertidas com acolhimento.

  2. Oriente formalmente sobre a estabilidade. Apresente à colaboradora, por escrito, as garantias legais de que dispõe. Explique o que ela pode ou não abrir mão.

  3. Encaminhe para homologação assistida. Ainda que não seja mais obrigatória por lei para contratos inferiores a um ano, a homologação sindical ou com advogado é uma prova de que a decisão foi consciente e informada.

  4. Recolha declaração manuscrita. Peça que a gestante escreva de próprio punho que está ciente de seus direitos, que deseja seguir com a demissão e que a decisão é voluntária.

  5. Considere o afastamento temporário como alternativa. Em muitos casos, o pedido de demissão vem por exaustão. Oferecer licença médica, apoio da área de saúde e diálogo com a liderança pode evitar rupturas desnecessárias e demonstrar cuidado real.

E se ela pedir demissão e depois voltar atrás?

É comum que, dias ou semanas após a formalização do pedido, a colaboradora repense a decisão e busque reverter. Nesses casos, o Judiciário tende a favorecer o retorno quando não houve comprovação de orientação e formalização plena.

Se a empresa tiver seguido todos os protocolos de orientação, acolhimento e homologação assistida, as chances de reversão são menores. Se não houver provas claras do processo, a jurisprudência pode presumir vício na vontade da gestante.

O erro mais comum: tratar como um pedido qualquer

Muitos departamentos de RH ainda tratam o pedido de demissão de uma gestante como algo corriqueiro, como se fosse igual ao de qualquer outro colaborador. Essa equiparação ignora a vulnerabilidade jurídica e social da situação.

A gravidez é uma fase de alta sensibilidade física, emocional e social. A legislação reconhece isso. E a empresa precisa agir com empatia, mas também com estrutura jurídica sólida.

O que diz a jurisprudência?

Diversas decisões recentes têm reforçado a ideia de que o pedido de demissão feito por gestante só é válido se acompanhado de prova de ciência dos direitos e assistência adequada.

Em alguns julgados, mesmo com carta assinada, a Justiça do Trabalho anulou a demissão por ausência de mediação sindical, acolhimento e registro formal da decisão. A súmula 244 do TST, embora trate da estabilidade, embasa interpretações que favorecem a preservação da garantia, mesmo após pedido de desligamento.

Como criar um protocolo interno eficaz

Para evitar litígios, a empresa deve formalizar um protocolo específico para desligamento de gestantes por iniciativa própria, com:

  • Checklist de orientações jurídicas;

  • Declaração manuscrita e registrada;

  • Participação do jurídico interno ou externo;

  • Arquivamento seguro de todos os documentos;

  • Treinamento do RH para abordagem humanizada;

  • Registro da conversa (preferencialmente com duas testemunhas).

Esse protocolo deve integrar a política de compliance trabalhista e estar acessível para todos os gestores de pessoas.

Toda empresa que deseja crescer com sustentabilidade precisa entender que o jurídico e o humano andam juntos. Aceitar o pedido de demissão de uma gestante sem preparo é assumir um risco desnecessário — e muitas vezes, evitável.

Ao invés de empurrar um desligamento apressado, é melhor abrir espaço para escuta, orientar com responsabilidade e agir com ética. Isso não apenas evita litígios, como constrói a reputação de uma empresa confiável, humana e consciente de seu papel social.

Se você já enfrentou uma situação parecida ou tem experiências a compartilhar sobre esse tema, envie para contato@gestaolegal.com. Sua vivência pode ajudar outras empresas a construírem relações de trabalho mais justas e responsáveis.