Doença Mental no Trabalho: Estabilidade, Readaptação e Dignidade

Doença mental no trabalho exige atenção à dignidade, readaptação e estabilidade. Entenda os direitos do trabalhador e os deveres das empresas com profundidade.

TRABALHISTA EMPRESARIAL

TMC

3/26/20254 min read

Durante uma consultoria em uma multinacional do setor logístico, a coordenadora de RH pediu apoio para “conduzir um desligamento delicado”. A colaboradora em questão retornava de um afastamento por depressão severa e já estava há três semanas readaptada — sem cargo fixo, sem atividades claras e sob olhares desconfiados da equipe. A justificativa do gestor era direta: “Ela não rende mais.”

Perguntei: “Ela foi acolhida ou apenas tolerada?”

Esse caso real é só um entre tantos que revelam o despreparo das empresas para lidar com transtornos mentais no trabalho. E mais: mostram a urgência de tratarmos esse tema com técnica jurídica, responsabilidade institucional e, sobretudo, humanidade.

A saúde mental como direito fundamental

A Constituição Federal, no art. 1º, consagra a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. No art. 6º, inclui a saúde entre os direitos sociais. Isso inclui, indiscutivelmente, a saúde mental.

O ambiente de trabalho deve promover não apenas produtividade, mas bem-estar psíquico, equilíbrio emocional e respeito à individualidade. Negligenciar esse dever não é apenas insensível — é ilegal.

O que configura doença mental relacionada ao trabalho?

Transtornos mentais que podem ter relação direta ou indireta com o trabalho incluem:

  • Depressão e episódios depressivos recorrentes;

  • Transtornos de ansiedade generalizada;

  • Burnout (síndrome do esgotamento profissional);

  • Transtornos de adaptação;

  • Fobias sociais agravadas por ambiente tóxico;

  • Transtornos de estresse pós-traumático (em casos de assédio, por exemplo).

Essas doenças podem ou não ter nexo com a atividade profissional, mas quando o trabalho é fator causador, contribuinte ou agravante, há implicações legais importantes.

Incapacidade laborativa: o que acontece com o contrato?

Se a doença mental compromete temporariamente a capacidade de trabalho, o trabalhador:

  1. É afastado por atestado médico por até 15 dias — pagos pela empresa;

  2. A partir do 16º dia, recebe auxílio-doença do INSS;

  3. Se houver nexo com o trabalho, o benefício passa a ser auxílio-doença acidentário (B91), com estabilidade posterior;

  4. Durante o afastamento, o contrato fica suspenso, e o empregador não pode rescindi-lo.

O retorno ao trabalho exige alta médica do INSS e avaliação pelo médico do trabalho da empresa.

A estabilidade após a alta médica

Se o afastamento foi superior a 15 dias e houve reconhecimento de nexo com o trabalho, o trabalhador tem:

  • Estabilidade de 12 meses após a alta (art. 118 da Lei 8.213/91);

  • Direito à readaptação de função, caso a anterior seja incompatível;

  • Proteção contra demissão arbitrária.

Mesmo que o INSS não conceda o benefício acidentário, se o perito ou o médico do trabalho reconhecerem nexo, a Justiça do Trabalho poderá garantir a estabilidade.

A importância da readaptação

A readaptação é mais do que uma formalidade. É o direito do trabalhador ao retorno digno, considerando suas limitações e possibilidades.

A empresa deve:

  • Realocar o colaborador em função compatível com sua capacidade atual;

  • Fornecer suporte técnico, psicológico e de integração com a equipe;

  • Evitar exposição desnecessária ou discriminação velada;

  • Registrar o processo com respaldo da área médica e jurídica.

A readaptação deve ser planejada, documentada e acompanhada — não improvisada nem empurrada de qualquer forma.

O erro mais comum: readaptar sem preparar

É comum ver empresas que, após o afastamento, apenas “arrumam algo para a pessoa fazer”. Isso é perigoso, tanto do ponto de vista humano quanto jurídico.

Uma readaptação malfeita pode:

  • Reacender o quadro de adoecimento;

  • Conduzir a nova incapacidade e novo afastamento;

  • Motivar ações por dano moral, reintegração e indenização.

Além disso, excluir a pessoa do fluxo produtivo, colocá-la em “geladeira” ou tratá-la com indiferença é uma forma de straining, uma das modalidades de assédio moral mais graves.

O Judiciário tem protegido o trabalhador vulnerável

Diversas decisões têm reconhecido:

  • Direito à estabilidade acidentária mesmo sem CAT, desde que haja prova do nexo;

  • Dever de reintegração, quando a demissão ocorreu logo após a alta;

  • Indenizações por dano moral e discriminação no processo de readaptação;

  • Responsabilização de empresas por negligência ao tratar o retorno do colaborador.

O recado da jurisprudência é claro: quem ignora a fragilidade do outro paga por isso — e caro.

O papel da empresa: da exclusão ao acolhimento

Tratar de saúde mental no trabalho exige cultura, política e ação coordenada. Algumas medidas essenciais:

🔹 Criar programas de apoio psicológico corporativo, com escuta ativa e sigilo;
🔹 Ter médico do trabalho capacitado em saúde mental;
🔹 Construir políticas claras de readaptação e retorno ao trabalho;
🔹 Treinar lideranças para agir com empatia, sem capacitismo;
🔹 Promover ambiente de respeito e inclusão, sem tabus nem estigmas.

Não se trata apenas de seguir a lei — trata-se de proteger a essência humana da relação de trabalho.

A dignidade é o mínimo

A Constituição não exige que a empresa ame seus colaboradores — mas exige que os respeite em sua integralidade física e psíquica. A dignidade da pessoa humana não é retórica: é critério jurídico.

Ignorar a dor mental, desvalorizar a readaptação ou acelerar desligamentos de quem está fragilizado é inconstitucional, injusto e insustentável.

A empresa que acolhe com consciência colhe confiança, lealdade e engajamento. A que descarta, colhe passivos, processos e perda de reputação.

Se você já viveu um processo de readaptação, enfrentou um retorno difícil ou estruturou boas práticas em sua empresa, compartilhe com a gente: contato@gestaolegal.com. Sua vivência pode salvar outras histórias e transformar organizações.