Home Office e Acidente de Trabalho: Quem Responde?
Acidentes durante o home office podem gerar responsabilidade para o empregador. Entenda os riscos jurídicos e como se proteger com política e prevenção.
TRABALHISTA EMPRESARIAL
TMC
3/26/20254 min read


Foi numa manhã comum de segunda-feira quando uma startup de tecnologia me procurou. Um de seus desenvolvedores, trabalhando em regime integral de home office, escorregou em casa, lesionou a coluna e ficou afastado por mais de dois meses. Na CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), ele descreveu a queda como “acidente durante jornada de trabalho em ambiente remoto autorizado”.
A empresa não sabia se deveria emitir a CAT, acionar o jurídico, ou apenas encaminhá-lo ao INSS. Na dúvida, ficou inerte. Poucas semanas depois, recebeu uma notificação do Ministério Público do Trabalho.
Esse episódio real mostra que o teletrabalho não está fora do alcance das regras de segurança e saúde do trabalho. Ao contrário: ele demanda cuidados redobrados e uma política clara de responsabilidade compartilhada, especialmente quando se trata de acidentes.
A legislação reconhece o teletrabalho como vínculo regular
A Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017) trouxe o reconhecimento formal do teletrabalho como uma modalidade legítima de prestação de serviços. O artigo 75-A da CLT define que o home office não descaracteriza a subordinação jurídica, nem isenta a empresa de seus deveres.
Ou seja: se o colaborador sofre um acidente durante o expediente, mesmo em casa, pode haver configuração de acidente de trabalho, com todos os desdobramentos legais, inclusive estabilidade provisória, emissão de CAT e responsabilidade civil do empregador.
Mas o que é considerado “acidente de trabalho” no home office?
A definição técnica permanece a mesma: é todo aquele que ocorre no exercício da atividade profissional ou em razão dela, gerando lesão corporal ou perturbação funcional.
No home office, isso pode incluir:
Queda da cadeira de trabalho em horário de expediente;
Lesão por esforço repetitivo em teclado e mouse;
Problemas de coluna por falta de ergonomia;
Choque elétrico ao usar equipamento fornecido pela empresa;
Crises emocionais vinculadas à sobrecarga de trabalho remoto.
A grande questão passa a ser a prova do nexo causal, ou seja, a conexão entre o evento ocorrido e a jornada laboral.
Como provar que o acidente aconteceu “em serviço”?
É aqui que a controvérsia se instala. No ambiente físico da empresa, é mais fácil atestar que o acidente aconteceu nas dependências da organização, durante o expediente.
Mas no home office, a linha entre vida pessoal e profissional se confunde. O colaborador pode estar usando o computador da empresa às 21h, ou pode sofrer uma queda enquanto vai buscar café na cozinha durante uma reunião.
O Judiciário tem reconhecido, cada vez mais, a presunção de veracidade do trabalhador nessas situações — especialmente quando há prova de que ele estava logado, usando equipamentos da empresa, ou em reunião com colegas no momento do acidente.
Responsabilidade do empregador: existe?
Sim. Mesmo sem controle físico do ambiente, a empresa continua responsável pela saúde e segurança no trabalho.
Isso significa que:
Deve fornecer orientações sobre ergonomia, pausas e postura correta;
Pode (e deve) oferecer equipamentos adequados;
Precisa estabelecer políticas claras de prevenção;
Deve documentar orientações e termos de responsabilidade do colaborador.
Ignorar esse dever pode gerar indenizações por danos morais, materiais e até estabilidade acidentária.
O que fazer se um acidente for comunicado?
Se o colaborador informar que sofreu um acidente em home office, o RH deve:
Investigar o relato com acolhimento e respeito;
Solicitar laudos, atestados e, se possível, ouvir testemunhas;
Acionar o jurídico para avaliar a emissão da CAT;
Encaminhar o colaborador para o INSS, se necessário;
Documentar tudo: desde o relato inicial até as medidas adotadas.
Negligenciar a comunicação ou negar a emissão da CAT sem base pode agravar a situação.
E o colaborador também tem deveres?
Sim. O trabalho remoto pressupõe cooperação e corresponsabilidade. O colaborador deve seguir as orientações da empresa, zelar por um ambiente seguro e comunicar qualquer incidente imediatamente.
É recomendável que a empresa colha uma declaração de responsabilidade do colaborador sobre o ambiente doméstico, deixando claro que ele foi orientado e assumiu os cuidados mínimos.
Política de saúde e segurança no home office: o que deve conter?
Empresas maduras já estruturaram políticas específicas para o teletrabalho, com cláusulas que incluem:
Condições mínimas do espaço físico (iluminação, ventilação, cadeira adequada);
Treinamentos online sobre ergonomia e pausas;
Manual de boas práticas em home office;
Regras sobre fornecimento ou reembolso de equipamentos;
Canal direto para comunicação de riscos e incidentes.
Essa política deve ser assinada, digitalmente ou fisicamente, e arquivada com segurança.
Um passo além: mapeamento ergonômico remoto
Algumas organizações têm avançado e oferecido checklists ergonômicos, vídeos de autovistoria e até consultorias online para ajustar o ambiente de trabalho em casa.
Essas iniciativas não apenas reduzem riscos legais — elas aumentam o bem-estar, engajamento e produtividade do time.
O que o Judiciário já tem decidido?
Casos reais mostram que a Justiça do Trabalho reconhece acidentes domésticos como acidentes de trabalho quando provado o nexo com a atividade profissional.
Em uma decisão de São Paulo, a empresa foi condenada por não ter fornecido cadeira ergonômica, contribuindo para uma lesão por esforço repetitivo. Em outro caso, um colaborador sofreu uma queda enquanto subia escadas com material de trabalho — o acidente foi reconhecido como laboral.
As fronteiras do ambiente de trabalho se expandiram — e com elas, os deveres jurídicos. O home office trouxe liberdade, flexibilidade e inovação, mas também responsabilidade compartilhada.
Ignorar os riscos do trabalho remoto pode parecer cômodo no curto prazo — mas custa caro no futuro. Empresas que agem agora, com política, prevenção e documentação, estarão protegidas não apenas legalmente, mas também eticamente. Porque cuidar do colaborador, mesmo à distância, é uma escolha estratégica e humana.
Se você já passou por um caso de acidente no home office e quer compartilhar os aprendizados, envie seu relato para contato@gestaolegal.com. Sua história pode ajudar outras empresas a criarem ambientes mais seguros — mesmo quando esses ambientes ficam do outro lado da tela.
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