Influenciadores e Vínculo com Agências: O Que Ninguém Vê

Contratar influenciadores como freelancers pode gerar vínculo empregatício. Veja como evitar riscos e estruturar parcerias seguras com segurança jurídica.

TRABALHISTA EMPRESARIAL

TMC

3/26/20254 min read

Uma agência de marketing nos procurou após receber uma notificação da Justiça do Trabalho. Uma influenciadora, contratada para representar uma marca durante um ano, entrou com ação alegando que havia sido tratada como funcionária: tinha metas mensais, horário fixo de postagens, participava de reuniões semanais e era punida quando atrasava entregas.

“Mas ela é MEI e recebia por nota”, disse o gestor da agência. No papel, parecia tudo certo. Na prática, não.

Essa história — real — exemplifica o risco crescente das relações mal definidas entre agências e criadores de conteúdo. A contratação de influenciadores digitais, quando mal conduzida, pode configurar vínculo de emprego e gerar passivos trabalhistas significativos.

A ascensão dos influenciadores e a informalidade jurídica

Nos últimos anos, a figura do influenciador saiu da lateral do marketing e passou a ocupar lugar central em campanhas, estratégias de marca e até no posicionamento institucional de empresas. O problema é que essa profissionalização não foi acompanhada por uma estrutura jurídica compatível.

A maioria das agências ainda lida com influenciadores por meio de contratos genéricos, combinados via WhatsApp e com pouca ou nenhuma formalização consistente. Em muitos casos, os influenciadores são tratados como funcionários sem registro, com imposição de metas, cobrança diária, supervisão rígida e exclusividade.

Quando existe vínculo empregatício?

A CLT é clara: para configurar vínculo, é necessário que existam quatro elementos simultâneos:

  • Pessoalidade: a atividade não pode ser delegada a terceiros;

  • Onerosidade: há contraprestação pelo trabalho realizado;

  • Habitualidade: a atividade ocorre com frequência, não pontualmente;

  • Subordinação: a parte contratante dá ordens, supervisiona e impõe rotinas.

Se a agência exige que o influenciador poste conteúdo nos mesmos horários, siga roteiros rígidos, participe de reuniões frequentes e não possa atender outras marcas concorrentes, há risco real de reconhecimento de vínculo.

O erro da “flexibilidade controlada”

Muitos contratantes acham que dar “liberdade para criar” resolve tudo. Mas se essa liberdade vem atrelada a:

  • Direcionamento detalhado de conteúdo;

  • Cobrança por performance;

  • Proibição de atender outras marcas;

  • Fiscalização contínua;

  • Penalizações por atrasos...

... então o Judiciário entenderá que existe subordinação e pessoalidade — elementos clássicos do vínculo empregatício.

O que pode acontecer em uma ação trabalhista?

Se o vínculo for reconhecido, a agência poderá ser condenada a:

  • Registrar o contrato retroativamente na carteira de trabalho;

  • Pagar salários atrasados, férias, 13º, FGTS, INSS e verbas rescisórias;

  • Indenizações por danos morais, em caso de assédio ou excesso de cobrança;

  • Responsabilidade solidária da marca contratante, se houver terceirização irregular;

  • Investigações fiscais e previdenciárias.

Além disso, a imagem da agência pode ser duramente afetada no mercado.

Como evitar riscos ao contratar influenciadores?

Não se trata de evitar a contratação — mas de estruturá-la com segurança jurídica. Veja as boas práticas:

  1. Formalize um contrato claro, com escopo bem definido, valores, prazos e responsabilidades;

  2. Evite cláusulas que restrinjam a liberdade criativa e comercial do influenciador;

  3. Não exija exclusividade irrestrita, a menos que ela seja remunerada;

  4. Adote linguagem de parceria, e não de comando (“recomenda-se” em vez de “determina-se”);

  5. Evite controle de jornada ou metas rígidas, especialmente com frequência diária;

  6. Deixe claro que o influenciador é autônomo, responsável por sua agenda e conteúdo.

Quando usar contrato de prestação de serviço ou de licenciamento?

O contrato de prestação de serviço é indicado quando o influenciador executa uma entrega definida — por exemplo, um post, um vídeo, uma presença em evento. Já o contrato de licenciamento de imagem ou conteúdo pode ser mais adequado quando a empresa deseja usar o conteúdo em outras mídias, campanhas ou por tempo indeterminado.

Ambos os contratos devem conter:

  • Objeto detalhado;

  • Valores e forma de pagamento;

  • Propriedade intelectual;

  • Regras de cancelamento;

  • Cláusulas de responsabilidade.

E, preferencialmente, devem ser elaborados com apoio jurídico especializado.

Influenciadores não são CLT? Nem sempre.

É importante dizer que nem todo influenciador deseja ou precisa ser contratado como CLT. Muitos são, de fato, profissionais autônomos, com múltiplos contratos e liberdade criativa. O problema ocorre quando a relação é disfarçada, mas tem aparência de emprego.

É essa contradição entre o que se pratica e o que se formaliza que gera o passivo.

O Judiciário já está de olho

A Justiça do Trabalho já decidiu diversos casos favoráveis a criadores de conteúdo. Em um deles, um influenciador digital provou que trabalhava exclusivamente para uma marca, com metas semanais e controle diário — e obteve vínculo reconhecido com pagamento de mais de R$ 150 mil em verbas retroativas.

Esses precedentes mostram que a informalidade nessa relação está com os dias contados.

Influenciadores digitais são parceiros estratégicos, e não funcionários ocultos. Ao estruturar uma relação clara, transparente e juridicamente segura, a agência protege sua operação e valoriza o profissional. O mercado já evoluiu — e o jurídico precisa acompanhar.

Se sua empresa já estruturou boas práticas na contratação de influenciadores ou enfrentou riscos que deseja evitar, compartilhe sua experiência. Escreva para contato@gestaolegal.com e ajude a construir um ambiente mais ético, moderno e seguro para todos os envolvidos.