LGPD x GDPR: O Que Empresas Estrangeiras Devem Saber

Empresas estrangeiras precisam entender as diferenças entre a LGPD, GDPR e CCPA. Veja o que muda ao operar com dados pessoais no Brasil e evite riscos.

PRIVACIDADE DE DADOS

TMC

3/26/20255 min read

Durante uma consultoria a uma empresa de tecnologia norte-americana que se preparava para lançar uma operação no Brasil, a pergunta veio com a simplicidade de quem subestima o território novo: “A LGPD é só um GDPR traduzido, certo?” A resposta exigiu mais que uma explicação técnica — exigiu desmistificação cultural, regulatória e até política.

Afinal, embora inspirada em legislações internacionais, a LGPD tem ritmo próprio, desafios locais, e particularidades que não podem ser ignoradas por empresas que operam fora do Brasil. Este artigo é um mapa para estrangeiros que desejam navegar com segurança no país, respeitando a privacidade dos dados, a legislação e, sobretudo, a confiança do consumidor brasileiro.

A LGPD é mais nova, mas não menos exigente

Promulgada em 2018 e com vigência a partir de 2020, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais foi claramente inspirada no GDPR, mas sua aplicação tem contornos diferentes. Enquanto o GDPR já conta com jurisprudência consolidada e autoridades bem estruturadas, a LGPD ainda está em evolução, com diretrizes regulatórias sendo atualizadas pela ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados).

Mas engana-se quem pensa que a LGPD é mais branda. A exigência de princípios de transparência, minimização, finalidade e prestação de contas (accountability) está expressa. O problema é que a infraestrutura regulatória brasileira é menos previsível, e isso exige um nível maior de prudência e adaptação local para empresas de fora.

Titulares brasileiros, cultura diferente

Nos EUA, a proteção de dados é mais fragmentada e, em muitos estados, limitada a setores específicos. Na Europa, a consciência da privacidade é alta e historicamente consolidada. No Brasil, há um paradoxo: a população se mostra altamente engajada em ambientes digitais, mas nem sempre tem total consciência dos riscos envolvidos na exposição de dados.

Por outro lado, há um crescimento acelerado da cultura de litígio e da judicialização. Empresas que operam com dados pessoais — especialmente em setores como saúde, educação, financeiro e e-commerce — podem ser alvo de ações coletivas por vazamentos, uso indevido ou ausência de consentimento.

Portanto, o operador estrangeiro que chega ao Brasil precisa tratar a governança de dados como pilar estratégico, ainda que o enforcement pareça mais brando à primeira vista.

Consentimento na LGPD: central, mas não absoluto

No GDPR, o consentimento é uma das bases legais — mas não a única, e nem sempre a mais recomendada. A LGPD adota lógica semelhante, prevendo dez bases legais para o tratamento de dados. O que difere é o contexto interpretativo: no Brasil, o consentimento ainda é visto com peso simbólico e cultural maior, especialmente em processos judiciais.

Na prática, empresas que operam no Brasil devem garantir registro de consentimento com clareza, possibilidade de revogação e ausência de vícios, mesmo que em outros países utilizem bases como legítimo interesse com mais desenvoltura.

Transferência internacional exige cautela extra

No GDPR, a transferência internacional de dados para países terceiros exige que esses países tenham proteção “adequada” ou que se adotem cláusulas contratuais específicas. No Brasil, a ANPD ainda está em processo de normatização sobre os critérios de transferência internacional, e até hoje não publicou uma lista oficial de países considerados adequados.

Empresas europeias ou americanas que transferem dados para processamentos em solo brasileiro devem documentar cuidadosamente essas transferências, usando cláusulas contratuais padrão e políticas internas robustas, sob risco de ficarem expostas em ambos os lados.

Direitos dos titulares: prazos e operação

Enquanto o GDPR exige resposta aos titulares em até 30 dias e o CCPA prevê prazos similares, a LGPD ainda não tem prazos definidos por norma específica — embora a boa prática tenha consolidado um prazo não oficial também de até 15 a 30 dias.

O que muda, no entanto, é a experiência do usuário e a ausência de portais estruturados para gestão automatizada desses pedidos em muitas empresas brasileiras. O estrangeiro que chega com um sistema de autosserviço ganha pontos: a transparência ativa é vista com bons olhos pelo consumidor local e pelas autoridades.

Riscos jurídicos: o Judiciário brasileiro é mais imprevisível

Uma diferença pouco comentada, mas altamente relevante: o Judiciário brasileiro atua fortemente na interpretação da LGPD, e muitas decisões judiciais têm efeito prático antes mesmo da publicação de normas pela ANPD. A imprevisibilidade é alta, com juízes proferindo decisões baseadas em princípios gerais da lei — mesmo sem jurisprudência consolidada.

Nos EUA, há maior previsibilidade (exceto em litígios coletivos), e na Europa, as decisões seguem trilhas mais rígidas. No Brasil, a empresa pode ser condenada mesmo sem culpa direta, se não comprovar diligência suficiente, como já vimos em decisões que responsabilizaram empresas pela ausência de cultura de privacidade.

CCPA: foco em venda de dados. LGPD: foco em finalidade

Para empresas californianas ou com operações nos EUA, é importante lembrar que o CCPA tem um viés econômico, com foco na venda e compartilhamento de dados. Já a LGPD, como o GDPR, tem viés de proteção de direitos fundamentais, como liberdade e intimidade.

Isso significa que, mesmo que sua empresa não “venda” dados, o simples uso para fins diferentes dos comunicados pode configurar violação no Brasil. O princípio da finalidade é o cerne da LGPD — e qualquer desvio precisa ser justificado, documentado e informado ao titular.

Privacy by Design e accountability na prática

O artigo 46 da LGPD exige que as empresas adotem medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados. Mas não basta adotar — é preciso provar. Por isso, estrangeiros que já seguem o Privacy by Design no GDPR ou frameworks como NIST e ISO 27001 têm uma vantagem significativa ao entrar no Brasil.

Documentar, registrar, treinar e auditar são verbos centrais para garantir accountability jurídico no país. O que está escrito, testado e versionado pesa muito mais do que declarações genéricas em caso de questionamento judicial ou investigação.

O papel do DPO no Brasil

No GDPR, o DPO é obrigatório em várias situações, mas no Brasil, a LGPD não impõe sua presença para todas as empresas — embora a ANPD recomende fortemente sua nomeação em qualquer operação relevante.

O Encarregado brasileiro deve ser acessível ao titular, estar disponível para a ANPD e ter atuação prática, e não decorativa. Empresas estrangeiras devem evitar nomeações formais sem preparo real — isso pode ser um risco em vez de uma solução.

Entrar no Brasil exige mais do que adaptar políticas

Entrar no mercado brasileiro exige mais do que traduzir a política de privacidade ou replicar o código de conduta europeu. Exige entendimento de um ecossistema jurídico em formação, sensível à reputação, com um Judiciário ativista e um consumidor que, embora ainda se alfabetize digitalmente, já entende que seus dados têm valor.

A estratégia de expansão deve incluir due diligence local, adaptação regulatória, treinamento de equipes brasileiras e tradução operacional de princípios globais. O Brasil não perdoa empresas que chegam sem se preparar — mas recompensa aquelas que atuam com respeito, consistência e estrutura.

Empresas estrangeiras que pretendem operar no Brasil com dados pessoais devem fazer mais do que cumprir a lei — devem compreendê-la em seu contexto local, social e institucional. Esse conhecimento profundo não apenas evita sanções, mas constrói diferenciais de confiança, fidelidade e reputação duradoura.

Se sua empresa está em processo de expansão para o Brasil ou deseja compartilhar experiências sobre adequação internacional à LGPD, envie um e-mail para contato@gestaolegal.com. Seu relato pode ajudar outras organizações a ingressarem no país com mais segurança, respeito e sucesso.