Startup e Banco de Horas Informal: A Bomba Relógio

Startups que mantêm banco de horas sem formalização podem ser condenadas por horas extras. Entenda os riscos e como evitar passivos trabalhistas.

TRABALHISTA EMPRESARIAL

TMC

3/26/20254 min read

Em um atendimento recente, uma startup de impacto social, recém-acelerada por um fundo internacional, buscava “adequar” suas práticas de gestão de pessoas. O CEO estava empolgado com o crescimento de 300% em 12 meses. Equipe engajada, ambiente descontraído, horas a mais “por propósito”. Mas ao revisar os documentos do RH, percebi um padrão: todos faziam jornadas extensas, sem controle formal, e a promessa era sempre de compensação futura.

A empresa chamava aquilo de “banco de horas flexível”. Mas aquilo era, juridicamente, um banco de horas nulo, informal — e com potencial de explosão judicial.

Com 23 pessoas na equipe e nenhum acordo assinado, o risco médio de passivo trabalhista girava em torno de R$ 420 mil. E a cada nova contratação informal, essa cifra crescia.

A cultura ágil não pode atropelar a lei

É compreensível que startups valorizem agilidade, confiança e propósito. Em ambientes assim, é comum ouvir:

“Aqui a gente trabalha porque acredita — e compensa quando quiser.”

Só que a legislação trabalhista não relativiza as obrigações legais por cultura organizacional. Ainda que o clima seja bom e os funcionários pareçam satisfeitos, o vínculo de emprego exige controle de jornada, e qualquer hora extra precisa estar formalizada e registrada.

A CLT não é contra inovação — mas exige previsibilidade, rastreabilidade e equilíbrio.

O que é o banco de horas e quando ele é legal?

O banco de horas é um regime que permite que a empresa compense horas extras com folgas, evitando o pagamento direto. Para isso, é necessário um acordo individual (validade de até 6 meses) ou coletivo (validade de até 12 meses), além de controle formal de jornada.

Legalmente, o banco de horas precisa conter:

  • Assinatura de ambas as partes;

  • Definição clara de prazos para compensação;

  • Acesso do colaborador aos saldos de horas;

  • Registro fiel da jornada realizada e compensada.

Tudo fora disso é entendido como simulação ou desvio da norma, sendo passível de anulação judicial.

O banco de horas informal nas startups: por que é tão comum?

Startups nascem em ecossistemas informais. Contratam rápido, com pouco jurídico interno e muito foco em entrega. É comum:

  • Evitar registro de ponto;

  • Firmar apenas contratos genéricos;

  • “Prometer folgas” sem prazo nem documentação;

  • Usar planilhas internas ou Slack como “controle de horas”;

  • Exigir horas extras disfarçadas como “engajamento cultural”.

Na prática, essas ações constroem um histórico informal que, quando questionado judicialmente, se volta contra a própria empresa.

O Judiciário já está atento à informalidade das startups

Decisões recentes têm mostrado que o Judiciário não está alheio ao modus operandi das startups — e tem tratado informalidade como tentativa de mascarar relações formais.

Em um caso julgado no TRT da 2ª Região, um programador de uma edtech teve reconhecido o vínculo com jornada habitual de 12h diárias, mesmo atuando remotamente e com "flexibilidade". A empresa alegou que havia banco de horas informal. A juíza foi direta:

“O banco de horas, para ser válido, deve ser formal. A liberdade criativa não pode suprimir direitos constitucionais.”

Resultado: condenação de R$ 86 mil, incluindo reflexos, multas e honorários.

Os erros mais frequentes que geram condenação

  1. Não formalizar acordos por escrito;

  2. Não registrar jornada (ou adotar controle apenas simbólico);

  3. Compensações informais, feitas sem regras claras;

  4. Exigência de horas extras “voluntárias”, que são toleradas e cobradas;

  5. Ausência de transparência sobre o saldo de horas.

Cada um desses pontos, isoladamente, já é grave. Juntos, criam uma linha de fragilidade jurídica que compromete a escalabilidade da empresa.

E o colaborador que aceita tudo isso?

Muitos empresários ainda perguntam:

“Mas se ele estava de acordo, posso ser punido mesmo assim?”

Sim. Em Direito do Trabalho, normas são de ordem pública. Mesmo que o colaborador concorde com a informalidade, ela é nula. Consentimento não legitima o que a lei proíbe. O empregador é o responsável principal por estruturar o regime de trabalho.

Como estruturar corretamente o banco de horas?

Se sua startup deseja manter esse regime, siga esse checklist mínimo:

🔹 Formalize por escrito. Acordos individuais para até 6 meses. Acordos coletivos (via sindicato) para até 1 ano;

🔹 Use sistema eletrônico de ponto confiável. Existem opções modernas, com integração a apps e sistemas de gestão (como Tangerino, PontoTel, Ahgora);

🔹 Ofereça acesso ao extrato de horas. O colaborador precisa saber quantas horas tem, o que compensou e o que falta;

🔹 Defina prazo de vencimento das horas. O ideal é inserir no acordo: “Horas não compensadas até XX dias serão pagas com adicional legal”;

🔹 Treine os gestores. Eles são quem mais pressionam por entrega, e muitas vezes ignoram o impacto jurídico das horas extras “espontâneas”.

É possível manter flexibilidade sem informalidade?

Sim. O segredo está em transparência, tecnologia e contrato. Muitas startups já estruturaram:

  • Jornada móvel por metas, com ponto por projeto (se a função permitir);

  • Banco de horas automatizado, com relatórios semanais;

  • Flexibilização com registro — e não com ausência dele.

Flexibilidade é boa. Mas sem rastreabilidade, vira risco.

E se o passivo já existe?

Nesse caso, a recomendação é:

  1. Auditoria trabalhista retroativa para mapear jornadas, valores e exposições;

  2. Revisão contratual urgente, com formalização de novos acordos;

  3. Criação de política de jornada e compensação, assinada por todos;

  4. Negociação com colaboradores, com suporte jurídico, em casos de excesso;

  5. Regularização junto à contabilidade e eSocial.

Tratar antes da judicialização é sempre mais barato — e menos doloroso.

Startups têm pressa, mas o passivo trabalhista não tem prazo. Ele se acumula silenciosamente e explode quando você menos espera: na saída de um talento, numa denúncia anônima, ou num processo que poderia ser evitado.

Quer escalar com segurança? Contrate bem, controle corretamente, e documente tudo. A informalidade pode parecer mais barata agora — mas a conta do futuro não perdoa.

Se sua startup está em processo de regularização ou já enfrentou esse cenário, compartilhe seu caso em contato@gestaolegal.com. Sua experiência pode inspirar outras empresas a crescerem com mais ética e solidez jurídica.